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“Eu me demito” – Joãozinho, 7 anos.

“Eu me demito” – Joãozinho, 7 anos.
Joãozinho andava muito briguento, a escola estava reclamando (vários bilhetes na agenda: um dia bateu em um, no outro empurrou uns dois, depois se enfiou de bobeira numa briga que nem era dele…). E em casa também estava mais arredio, respondão, “mau criado”.
A mãe tentou conversar, o pai fez combinado, puseram de castigo, tiraram seu jogo favorito… “até bati, confesso, não aguentei, perdi a paciência!”, disse a mãe.
Joãozinho veio até mim… (emburrado):
– E aí João, tá complicado neh… bilhete da escola, um monte de castigo, que chato cara…
– Silêncio (mais emburrado ainda)
– Ok, deve ser bem chato falar sobre isso, mas olha só, eu não quero saber o que você fez, essa parte a mamãe e a professora já falaram. Mas é que eu sei que se você anda meio briguento e respondão só pode ser porque tem alguma coisa ou alguém te incomodando.
– Silêncio… (emburrado e desconfiado)
– Ninguém explode assim à toa. Sabe vulcão? Quando o vulcão explode e aquela lava sai destruindo tudo, é porque lá dentro dele aconteceram várias coisas. Algumas pedras se misturaram com alguma terra, com o ar e sei lá mais o que… uma mistura que não podia ter acontecido. Estava tudo calmo e daí… A gente é tipo vulcão, quando alguns pensamentos se misturam com alguns sentimentos e a gente não entende nada, pronto, explode! O que será que tem aí no seu vulcão?
– Braços cruzados, cabeça baixa (menos emburrado)… Eu me demito!
– Sério, você se demite? Bom, melhor parar com aquilo que não está dando certo. Vamos ver…
– Sério mesmo, eu me demito! Não aguento mais nada disso! Aqueles meninos na escola são muito irritantes. Ninguém entende, eu não tenho culpa, tenho que reagir. Você gosta quando fica todo mundo te zoando?
– Não! È muito chato, ninguém gosta mesmo!
– E você não faz nada? Duvido…
– É que assim João… às vezes parece que eu não tô fazendo nada, mas na verdade eu tô! Estou ignorando. Porque às vezes, se eu estou bem, de boa, feliz, eu consigo não ligar muito e ignorar, porque eu não vou acreditar em nada do que os outros falam. O problema é quando eu não estou muito bem, se eu tô chateada, irritada, de mal mesmo com alguém ou alguma coisa, aí eu acabo dando bola para o que os outros falam e acabo respondendo…
– Tá. Então, tá vendo?! Porque é difícil mesmo!
– É! É difícil mesmo! O mais difícil é entender o que está acontecendo que nos deixa incomodado e a gente não consegue ignorar. Porque pensa comigo, se a gente já tinha um problema chateando a gente, aí acaba se envolvendo em briga porque não consegue ignorar… ficamos com dois problemas!! Não é uma matemática muito legal…
– Dois… três… eu tenho muitos problemas já! Mas ai todo mundo põe a culpa em mim, fico com mais problemas ainda!
– Bom, então vamos tentar resolver o primeiro… porque aí os que vieram depois vão desaparecer, certo?!
– Tá. Eu não sei qual é o primeiro, mas o maior é na minha casa, você já sabe…
– Eu já sei? (Eu e João já nos conhecíamos)
– Você sabe… bom, a minha mãe trabalha muito, mas as vezes eu acho que ela não gosta muito do trabalho dela, ela vive reclamando, fica cansada e, sabe, tá sempre irritada falando que precisa deitar. O meu pai parece que gosta mais do trabalho dele e ele não tem paciência com a minha mãe, diz que ela vive estressada.
– Aí eles brigam?
– Depende. Às vezes tá tudo bem, eles se dão bem, conversamos, passeamos, tudo normal. Mas quando o assunto é trabalho, tempo, contas… nossa! Aí começa a discussão e vai longe… (longe mesmo, com muitos detalhes que João foi contando) até minha mãe falar que vai se demitir do trabalho e meu pai falar que é melhor mesmo, antes que ele se demita daquela casa!!!
– Ah, entendi. Aí você quer se demitir também.
– Claro ué! Já pensou?! Se eles se demitirem, eu vou ficar sem o meu pai e com a minha mãe triste em casa e sem poder pagar as contas… não vou poder ver o meu pai sempre, nem comprar as coisas que eu preciso, vou ter que trabalhar para ajudar a minha mãe… mas eu não posso trabalhar ainda!
– Claro que não João. Mas você não precisa. Eu tenho certeza que seus pais vão resolver essa situação. E ainda que eles se demitam, você não ficará sem o pai ou sem suas coisas, talvez só algumas não tão importantes… mas eu acho que você poderia falar para eles que está preocupado com tudo isso e com medo do que pode acontecer. Porque é esse pensamento e medo que estão te incomodando e te deixando irritado mais facilmente, fazendo você ficar bravo e brigar. E pode até ser que juntos, vocês descubram o que cada um pode fazer para ninguém se demitir. E até você pode ajudar, economizando e ajudando a mãe em casa, assim nem você precisa se demitir.
– É. Pode ser…
– Percebeu?! O vulcão na sua casa misturou o cansaço da sua mãe, com o seu pai achando que não pode ajudar, com o seu medo e preocupação… e você virou a lava….
– Detonando tudo! (sorrindo)
– Sim..rs…mas não precisa. Você pode conversar com seus pais, ficar mais tranquilo e conseguir ignorar e levar de boa as zoações na escola. Aqueles meninos são seus amigos, lembra?!
João fez um desenho, saiu mais aliviado e disse à mãe que precisavam conversar. E depois eu soube que na conversa ele entendeu melhor as coisas e a família fez novos combinados. Ah! E ninguém se demitiu.
Cuidado: enquanto a criança não entende, ela imagina. E reage, às imaginações, aos medos e sensações de ameaça.
Sugestão para assistir com a família: “O Pequeno Nicolau”. Um filme divertido que mostra o universo infantil.

Por Janaina Nakahara

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