Atenção para o Estresse Tóxico na Infância em tempos de COVID-19
Fazem parte da vida diferentes momentos. Viver inclui momentos de mais serenidade, de menos turbulência, mas também inclui momentos em que podemos passar por adversidades, dificuldades que surgem no caminho e que podem ser das mais variadas ordens.
Enganam-se aqueles que pensam que a infância e adolescência estão excluídas dessas oscilações. Todas as crianças serão expostas, inevitavelmente, a situações estressoras durante o seu desenvolvimento, como hospitalizações, mudanças (de casa, de escola, de cidade), nascimento de irmãos, adoecimento de um ente querido, divórcio, dentre outros exemplos.
Assim como com os adultos, cada criança apresenta um nível de percepção e um tipo de reação às situações estressoras da vida.
Define-se como estresse tóxico aquele que é elevado e contínuo, que pode gerar danos reversíveis ou não ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança, além de aumentar os riscos para doenças orgânicas ao longo do tempo. Nele, a criança é submetida a um nível de estresse superior à sua capacidade de autorregulação, por um tempo prolongado. A criança não tem estratégias para superar isso sozinha, pela própria imaturidade neurológica, que supera sua capacidade de lidar com essa adversidade. A exposição precoce e constante ao estresse estimula a liberação de cortisol, provocando alteração das conexões sinápticas e limitando a capacidade estrutural do cérebro. Isso pode promover alterações na arquitetura cerebral, além de afetar a neuroplasticidade estrutural e funcional.
Trouxe este tema para nossa reflexão por mostrar-se tão atual.
A pandemia causada pelo coronavírus trouxe mudanças muito abruptas e acentuadas para todas as famílias. Acumulamos atividades dentro de casa, o cuidado em período integral, home office, sem poder contar com rede de apoio, além da preocupação com questões financeiras e familiares. É natural que nós, pais, também apresentemos uma elevação do nível de estresse e ansiedade. Nosso estado emocional e mental acaba também por afetar diretamente nossos filhos.
Temos visto sintomas de estresse tóxico nas nossas crianças e adolescentes. A criança não tem estratégias para superar isso, pela própria imaturidade neurológica. Então, se a família não tiver um olhar cuidadoso, isso pode trazer conseqüências em curto e longo prazo. Num primeiro momento, percebemos sintomas como agressividade, desobediência, grito, choro irritado, nervosismo, tendência ao isolamento, distúrbios do sono, alteração do apetite, dores inespecíficas, dentre outros. Pacientes de diferentes idades estão tendo sintomas. Em longo prazo, sabe-se que há aumento da incidência de distúrbios neuropsiquiátricos e do comportamento e desenvolvimento, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo , uso abusivo de álcool e drogas ilícitas e diminuição da capacidade cognitiva.
A boa notícia é que podemos ajudar! Sabe-se que a presença ou não de estresse tóxico na infância pode ser influenciada pela maneira como os adultos responsáveis pelas crianças lidam com os problemas e adversidades da vida, além da maneira como ensinam a lidar com essas situações. Portanto, cuidarmos globalmente da nossa saúde, física e mental, irá repercutir positivamente em nossos filhos. Práticas esportivas, meditação, leituras edificantes , reservar um tempo para si e terapias familiares são ótimos meios para auxiliar nesse processo.
Quanto ao momento de combate à pandemia, é compreensível que todos estejamos mais preocupados. Sendo assim, controlar o quanto isso vai impactar a vida no dia a dia será muito importante. A primeira dica é organizar a nossa rotina (entenda-se, a rotina dos adultos responsáveis pelas crianças), como horários de trabalho, reserva de ambientes para o home office, horário para uma atividade relaxante, etc. Depois organize a agenda dos filhos. Tenha horário das atividade escolares online, horário para acessar a telas, evitando ao máximo o excesso desse uso. Reserve momentos divertidos e prazerosos de brincar junto e livremente, momentos de atividade física e tarefas de casa. Procure colocar a criança perto de um lugar onde bate sol e tenha espaço para que ela possa dialogar sobre angústias e sentimentos. Proporcione encontros virtuais com familiares e amigos e tenha cuidado com fake news e matérias de TV sobre a pandemia , as quais foram feitas para adultos.
O nosso olhar atento para comportamentos diferentes dos habituais é muito importante. Caso esses estejam presentes, precisamos mostrar a eles que estamos prontos para ouvi-los e vamos acolhê-los. Precisamos mostrar que compreendemos esses sentimentos, que não se deve ter vergonha de senti-los. Podemos conversar, dizer que é ruim mesmo ficar sem ir à pracinha, sem encontrar com o vovô e sem ver os amigos. A consulta com o pediatra é importante para identificar se os sintomas são de estresse tóxico e, se necessário, um seguimento em conjunto com um psicólogo infantil será de extrema ajuda. Ambas as consultas podem ser feitas de maneira remota nesses tempos de pandemia.
Por Dra. Josie Pimental
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