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O Estado, a censura e as famílias

Iniciei por aqui falando sobre as “novas famílias” e a importância do amor na formação dos
vínculos familiares. Como a escola é um espaço importante para que todas as famílias, em todas as
suas configurações, sejam acolhidas e se sintam parte daquela comunidade.
Hoje a ideia é discutir o assunto que esteve em pauta nos últimos dias: a tentativa de imposição de
censura pela Prefeitura do Rio de Janeiro e também pelo Governo do Estado de São Paulo a
materiais que crianças/adolescentes teriam acesso. E o que isso tem a ver com as famílias, o amor e
a escola? Tudo! O material que o governo de São Paulo recolheu – e depois foi obrigado a devolver
– eram apostilas de ciências do Ensino Fundamental II. No Rio de Janeiro, o material que se tentou
censurar estava numa Bienal do Livro, evento ao qual muitas escolas fazem excursões, para
incentivar as crianças e adolescentes a consumirem livros, tornarem-se leitores.
Para começar a esclarecer, vejamos qual era o conteúdo dos materiais: no Rio de Janeiro, um
desenho no qual dois personagens, do sexo masculino, se beijavam. Em São Paulo, um texto da
apostila, destinada aos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II, falava sobre o significado do
termo “identidade de gênero”. E por quê os políticos quiseram censurar esses materiais? No Rio de
Janeiro, se alegou “proteção à criança e ao adolescente”, e “defender a família”. Sim, essa foi a
razão alegada: defender a família. Mas a qual família o prefeito se refere? Vale o questionamento!
Em São Paulo, o governador disse que não aceitava “apologia à ideologia de gênero” – mas a
apostila não citava isso, e sim “identidade de gênero” – e que “não é razoável que crianças e
adolescentes tenham esse tipo de assunto na escola” – sendo que o material é para alunos de 13/14
anos, ou seja, apenas adolescentes. Há aqui uma confusão terrível: identidade de gênero em nada
tem a ver com a criada “ideologia de gênero” – termo que aliás não existe no meio científico ou
acadêmico. Identidade de gênero, de acordo com estudiosos, é o fato de que ser um homem ou uma
mulher não depende apenas da genitália ou dos cromossomos, mas de padrões culturais e
comportamentais. Tais padrões, segundo os teóricos da área, são adquiridos na vida em sociedade.
Qual o problema de adolescentes terem acesso à esse tipo de informação? E qual o ambiente mais
propício para a aquisição do conhecimento, debates e esclarecimentos de dúvidas e ignorâncias que
todos podemos ter, senão a escola?
Para não alongar demais o texto, o importante, em ambos os casos, é que o Poder Judiciário (STF e
uma Juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) se manifestou contrário a essas posturas
dos governantes, e determinou que não pode haver qualquer tipo de tentativa de censura no Brasil,
vez que a liberdade de expressão é direito fundamental assegurado pela Constituição desde 1988.
Cabe aqui a reprodução das belas palavras do Ministro Celso de Mello, o decano do Supremo
Tribunal Federal: “Sob o signo do retrocesso, cuja inspiração resulta das trevas que dominam o
poder do Estado, um novo e sombrio tempo se anuncia, da intolerância, da repressão ao
pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático.”
Nós, como sociedade, não podemos nos calar diante desse tipo de pensamento intolerante com as
diferenças, que afinal nos definem. A escola, como espaço de conhecimento, não pode se calar e
deixar de propôr debates às crianças e adolescentes, para que cada vez mais tenham acesso à
informação. A família, composta por quem quer que seja, deve continuar sendo o espaço do amor,
do acolhimento e das conversas sobre os mais diversos assuntos, para que os jovens que criamos
tenham segurança em se manifestar. E os governantes deveriam, afinal, fazer o que realmente foram
eleitos para fazer: nos entregar um Estado digno dos impostos que pagamos!

Ana Paula Giamarusti

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