Lourenço Pereira
Lourenço tem toda a sua formação voltada para as linguagens de artes visuais, trabalha a mais de vinte anos com crianças e jovens nas diversas frentes da educação. lorezjose@hotmail.com
Há algum tempo venho pensando e meditando sobre o tempo, não o tempo cronológico dos tics e tacs do relógio, mas, falo de um tempo que há muito perseguia seu significado, e de como poderia explanar sobre.
A descoberta, acidental, foi em uma de minhas andanças pelo universo nipônico, me deparei com um texto editado pelo Arquivo Ghibli (do estúdio de animação), era uma entrevista de Hayao Miyazaki feita pelo crítico de cinema americano Roger Ebert.
Peço que atente para esses trechos da conversa, onde Ebert faz o seguinte comentário, “Eu disse a Miyazaki que adoro o “movimento gratuito” de seus filmes; ao invés do movimento ser ditado pela história, algumas vezes as pessoas simplesmente ficam sentadas por um momento, ou então suspiram, ou então observam uma corrente de água, ou fazem algo a mais, não como modo de avançar a história, mas simplesmente para dar um senso de tempo e lugar e quem elas são”.
Em resposta Miyazakisan, diz a Ebert, “ A gente tem uma palavra para isso em japonês. É chamada de Ma, vazio, isto está lá intencionalmente”.
O que vinha buscando, o tal significado, encontrei neste trecho da entrevista, pois esse “vazio” interpretei, também, como “intervalo”. Observe na sequência da entrevista quando Ebert procura uma associação a fala de Hayao, ele diz,“Seria como as “palavras-almofada” que separam frases na poesia Japonesa? ”
E Hayao completa, “Não acho que é como a palavra-almofada” e bate palmas três ou quatro vezes.
“O tempo entre minhas palmas é ma. Se você só tem ação ininterrupta sem espaço algum para respirar, é só agitação, mas se você tomar um momento, então a tensão construída no filme pode expandir-se para dimensões maiores”.
Esse intervalo, o “vazio”, se é que agora podemos chamá-lo assim, é um momento, o “tempo” oferecido as nossas emoções mais subjacentes, como diz Hayao, e podemos encontrar esse momento de existência, de materialização, do “respirar” a cada dia, dia corrido e pouco sentido, absorvido, vivido.
Em meus vinte e cinco anos, envolvidos com educação, percebi o quanto devemos, ou deveríamos parar e observar, absorver o que e quem está em nosso entorno, há três metros, há trinta metros, há trezentos metros.
Um mundo, cada vez mais tempo cronológico, de vivências tecnológicas, com apelos mecatrônicos, a vida esvaísse, enublam as visões das crianças com pequenas janelas de muitas imagens impostas, corrompem-se os sonhos dos jovens oferecendo ilusões imediatas, não há tempo e espaço para “respirar”.
Gostaria, apenas, de apresentar a vocês uma ideia, sugerindo que possam, em meio ao seus afazeres e compromissos, encontrar esse “vazio/intervalo”, onde nada deveria ou poderia acontecer, onde apenas deixar passar, observar, contemplar já seria o bastante. Momentos de subjacências, tudo ali está, e lá estará, mesmo que faça algo ou nada se faça.
Convivo a todos, principalmente aqueles que convivem com crianças e jovens, a se doar à uma simples ação, parar por segundos e contemplar, para que se possa ver, para que se possa sentir, para que se possa respirar, para que se possa ouvir, para que se possa absorver o micro e o macro, o todo ao seu redor.
Acredite, é fácil você envolver uma criança para esses momentos tão significativos, eu, por exemplo, instigava constantemente minha filha a olhar para o céu, uma nuvem que lembrava um bicho, um pássaro em voo, um avião deixando rastros, enfim, sempre promovendo aguçamentos. Há anos atrás ela observava e brincava, passado um tempo começou a fotografá-lo, hoje, ela o contempla.
Assim, depois de tirar seus pés do chão, caminhe e sinta esse “vazio”, constitua e preserve o seu Ma.
Lourenço Pereira
Link para a integra da entrevista: https://arquivoghibli.wordpress.com/2014/05/28/entrevista-com-hayao-miyazaki/
Crédito da ilustração: Studio Ghibli’s by Isao Takahata
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